Reflexões Iniciais
Para que possamos mergulhar neste tema complexo, penso ser indispensável refletirmos juntos sobre alguns pontos que nos permitirão navegar por este oceano de possibilidades de forma mais aberta. Pense comigo: ao estimular um comportamento em uma criança, sua necessidade, naquele exato momento, está relacionada puramente ao compromisso de orientar e acolher este ser, ou você está apenas reproduzindo o modo como você mesma(o) foi criado(a)?
Não se preocupe em responder de prontidão. O objetivo não é este… inclusive, trago mais uma pergunta para formar uma dupla interessante em nossas reflexões: você já pensou que, em muitas situações, certos traumas de menor ou maior impacto podem estar sendo reproduzidos em suas decisões parentais, justamente porque você ainda não fez um movimento individual, interior, pessoal, de autoconhecimento?
Leve o tempo que precisar para pensar um pouco sobre isto, antes de seguir nesta trilha proposta pelo artigo. Estamos aqui, e este é um lugar no qual todo o tempo para o “seu processo íntimo” sempre será respeitado.
Um Movimento Consciente
A parentalidade não deve se transformar em uma fonte de constante ansiedade, onde cada passo é pensado de forma sistemática e milimétrica pelo medo de errar e prejudicar o desenvolvimento de um filho(a). Algumas reflexões e práticas podem trazer mais leveza para esse processo, permitindo que você dê passos mais firmes e conscientes. Vamos observar alguns:
Reconheça o Valor das Suas Ações na Criação dos Filhos
Serão muitas, incontáveis, as vezes em que você entregará o seu melhor como pai ou mãe, e isso nutrirá seus filhos, fazendo-os sentirem-se pertencentes de forma única. Perceba e valorize isso, pois é nesse espaço de afeto que eles encontrarão a segurança para crescer.
Boa Intenção não Basta
Unido de forma umbilical à necessidade de reconhecimento vem a consciência de responsabilidade. Lembre-se de que cuidar de outro ser humano é um compromisso que exige muito mais que boas intenções. É preciso buscar conhecimento contínuo sobre como nutrir as relações parentais, observar e enxergar os filhos como seres humanos que apenas estão em estágio infantil, porém possuem um universo de saberes latente neste psiquismo.
Por isso, desenvolver mecanismos de apoio às necessidades que eles apresentam em suas singularidades, acolhendo-os, é indispensável. Claro que isso não precisa ser uma corrida contra o tempo. Lembre-se, sempre, que, se houver constância, você notará a diferença no fortalecimento dos laços afetivos.
Os Valores Humanos São como Sementes
Para este tema de suma importância, será proveitoso recorrer aos ensinos do educador e escritor brasileiro Pedro de Camargo, que assina suas obras com o pseudônimo “Vinícius”. Em “O Mestre na Educação”, ele aborda quão indispensável é para os pais e cuidadores atuarem de forma intencional, cuidadosa e profunda no que toca a educação dos filhos — aqui apresentada no seu aspecto de aquisições de valores humanos.
[…] O que se dá é que geralmente se imagina que o ser bom, justo e verdadeiro; o ser probo (íntegro), sincero e amorável, não requer aprendizagem. Supomos que tudo isso seja coisa tão natural e comezinho (simples) que não constitui matéria de ensino! Imagina-se que essa parte da educação, incontestavelmente a mais excelente, há de efetuar-se por si mesma, à revelia de cuidados, dispensando o apregoamento requerido para outras modalidades de educação.
Tal o grande erro generalizado que é preciso corrigir. A ideia de geração espontânea é quimérica. Do nada, nada se tira.
Tudo o que germina, germina duma semente. Tudo o que evolve, evolve dum germe ou embrião. Não podemos esperar que aflorem na alma da mocidade qualidades nobres e elevadas sem que, previamente, tenhamos feito ali a sua sementeira. — (DE CAMARGO, Pedro; O Mestre na Educação; Cap. 2; Pág.21)
Não se Culpe por Reproduzir Padrões Antigos Com os Filhos
As práticas educativas que herdamos muitas vezes reproduzem formas de cuidar alinhadas com padrões de comportamento menos flexíveis, baseados em formas de comunicar que podem estimular traumas e aprendizados limitadores — que foram necessários em um contexto e período, mas que já não refletem as necessidades das sociedades da contemporaneidade.
Primeira coisa: não se culpe. Perceber quais pensamentos, falas e comportamentos são reflexos diretos de como você foi educado(a) será um fator chave para que haja uma ação consciente de ajuste na forma como você se relaciona e educa as crianças sob sua tutela.
Permita-se a autopercepção, proponha-se à revisão desses comportamentos e dedique-se à transformação. Os resultados se alinharão cada vez mais com o que você considera ser o melhor caminho.
Entenda a Origem dos Seus Comportamentos
Todos os nossos comportamentos e decisões atendem a uma necessidade universal, muitas vezes inconsciente. Esta perspectiva das necessidades universais é muito bem aprofundada na abordagem psicológica da “Comunicação Não Violenta” (CNV), desenvolvida pelo psicólogo norte-americano Marshall Rosenberg. Nesta abordagem comunicativa da CNV, as necessidades são os motivadores por trás de nossos comportamentos. Elas representam aquilo que nos impulsiona a agir de determinada forma, buscando satisfação e bem-estar. São apresentadas como universais porque todos os seres humanos as possuem. Afirma o pesquisador:
“Quando nos conectamos com nossas necessidades mais profundas, somos capazes de comunicar de forma mais clara e autêntica.”
Marshall Rosenberg
Na grande maioria das vezes, isso não é percebido porque realmente ainda precisamos desenvolver vocabulário emocional e consciência sobre nossos pensamentos e ações — o que não deve ser conduzido como discurso de vitimismo, mas uma autopercepção que nos impulsione à esta aquisição.
Ao nos ensinar a identificar e expressar nossas necessidades de forma não violenta, a CNV nos capacita a lidar com as diferenças de maneira mais construtiva. Essa abordagem é especialmente relevante na educação, onde os conflitos são comuns e a capacidade de resolução de problemas é fundamental.
Por isso, é fundamental caminhar com a mente aberta para questionar e refletir sobre as melhores práticas nas relações humanas, especialmente na parentalidade. Por isso mesmo, deixarei nas referências bibliográficas deste artigo um link da lista de necessidades universais, para que possamos tomar conhecimento sobre quais são estas necessidades e sentimentos, além de ampliarmos nossos exercícios, hein!?
Enfrente os Medos e Busque Ajuda
Um comportamento que pode acontecer com você é evitar olhar mais a fundo quando perceber que alguns comportamentos na relação parental não são tão bons quanto imaginava. Isso pode acontecer pelo medo de lidar com feridas emocionais. Mas deixe eu lhe dizer uma coisa: confie em sua capacidade de mudança. Busque apoio profissional e orientações adequadas para superar essas barreiras e admirar as transformações que conseguirá realizar.
Você pode ter chegado até aqui e dizer: “Eu tenho clareza sobre estes mecanismos e reconheço os meus comportamentos!” Bem…isso é ótimo. A minha pergunta, então, será: Você já consegue, então, criar a sua metodologia para mudá-los ou continua alimentando esses comportamentos por medo dos desafios que surgirão?
Novamente, confie. Com o suporte certo, você poderá fazer essas mudanças e ver os benefícios que trarão para o relacionamento com os filhos. Mais motivador do que manter uma postura inadequada ou limitadora é se dedicar e perceber movimentos de transformação consciente!
Respeite a Individualidade dos Filhos
Essa é bem complexa! Sei que pode ser doloroso para você ler isso, mas filhos não são extensões de nós mesmos. Embora haja uma herança genética que, divinamente, cria esta percepção material de uma descendência biológica, eles são indivíduos únicos, com competências e virtudes latentes que devem ser nutridas com afeto e respeitadas como conquistas deles, como seres individuais. Por isso, aí vem algo desafiador a ser compreendido por pais, mães e cuidadores: atenção para que o “cuidar” não se traduza em impor as suas carências e necessidades. Pelo contrário, é ajudá-los a construir a autonomia necessária para que eles sigam seus próprios caminhos, dentro das escolhas que desejem realizar nos futuro, sempre com o apoio de quem os ama.
A Influência Virá da Sua Própria Autoeducação
Aqui está, certamente, o desafio mais complexo que os pais enfrentarão — e isto não está no aspecto de algo que se faz para fora -, justamente porque requer uma transformação em si mesmos. Para me ajudar a transmitir esta mensagem recorrerei a um distinto educador de consciências, o filósofo, educador e teólogo brasileiro Humberto Rohden. Em sua obra Educação do Homem Integral, ele nos ajuda no processo de compreensão de que educar não é algo que se impõe de fora para dentro. Ou seja, não será pelo simples jogo de palavras ou estratégias que será possível educar os filhos.
Neste sentido, a pessoa que se coloca como educadora precisará trabalhar a si mesma para que, como consequência do seu poder de influencia, alcance os seres que deseja estimular. Estímulo, pois estas transformações íntimas só podem ser feitas pelos próprios indivíduos educandos, ou seja, os filhos.
Huberto vai afirmar que o próprio educador, uma vez alcançando, no esforço diário, conquistas dos valores íntimos — dentro do que são os valores éticos da família —, consegue vitalizar as suas palavras e ações:
“O ser central do educador vitaliza o seu dizer periférico. E esse ser central coincide com a autoeducação e a autorealização do educador. De maneira que, em última análise, o efeito decisivo da alo-educação radica [está arraigado] na autoeducação. […] O nosso dizer e fazer só exerce impacto decisivo quando radica na plenitude do nosso verdadeiro ser — requer autoeducação. O nosso dizer e fazer são canais, que têm de receber conteúdo do nosso ser. De maneira que o impacto que o educador exerce sobre o educando é apenas indireto, dependente do próprio educador.” (Cap. I; pág. 20)
Considerações
Estas não são dicas mágicas ou processos de oráculo a serem cegamente seguidas. Sinta, busque por referências, reflita e caminhe no fortalecimento das próprias decisões. Se você deseja aprofundar mais sobre o tema, leia nosso artigo “Pertencimento: como seres interdependentes constroem asas”, onde exploramos a importância do afeto no desenvolvimento humano, com um enfoque especial no apego.
Referências Bibliográficas
- DE CAMARGO, Pedro (Vinícius). O Mestre na Educação. 5. ed. Brasília: FEB, 1976.
- ROSENBERG, Marshall. Comunicação Não Violenta. 5. ed. São Paulo: Ágora Editora, 2021.
- ROHDEN, Huberto. Educação do Homem Integral. São Paulo: Martin Claret, 1998.
- WALKLEY, Angela. Lista de Necessidades Universais. Disponível em: https://egov.df.gov.br/wp-content/uploads/2024/03/Lista-de-necessidades.pdf. Acesso em: 17 dez. 2024.


