A Vida Transcende o Materialismo

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“Pensar-se corpo, sentir-se corpo, viver como corpo e, então, entronizar o espírito como algo secundário, epifenomênico e, de certa maneira, dispensável, transformando-o em apenas uma vivência cerebral em que os neurônios e seus neuropeptídeos interagem e criam uma espécie de formação que é transitória no nosso existir. É dessa maneira que a maioria da população vive, se concebe, cria seus valores e se comporta, agindo como se esta fosse a plena realidade.

A fala de André Luiz Peixinho — que, em sua mais recente encarnação, realizou significativas contribuições como médico, psicólogo, filósofo e escritor — apresenta-nos a cultura do materialismo, ainda muito comum nas dinâmicas sociais que compõem a comunidade terrestre atual.

Superar o domínio que a matéria pode exercer sobre o modo como enxergamos, percebemos, sentimos e conduzimos as ações no cotidiano é uma decisão que surge como consequência de um movimento intencional de assumirmos a responsabilidade sobre como o nosso processo evolutivo pessoal será conduzido.

É a partir desta intencionalidade que passamos a conquistar maior autonomia no planejamento e experimentação da vida, pois, mediante a maturação da consciência, o indivíduo conquista mais recursos para construir experiências mais complexas em benefício de si mesmo e do coletivo, numa expansão de ações mais integrativas — consequentemente, mais amorosas.

Tal movimento na escalada da vida lhe permitirá, cada vez mais, desvelar a consciência de ser espírito em processo de divinização da forma como se manifesta no mundo, rumo à plenitude.

O Mergulho e a Expansão

Este movimento é iniciado de forma mais introspectiva, pois requer que o ser mergulhe profundamente em si mesmo para melhor perceber-se, reconhecer-se, aceitar-se e compreender-se. Como movimento subsequente, ocorre a ampliação deste estágio com as ações descentralizadoras, nas quais o ser mobiliza-se em reconhecimento e valorização da vida comunitária, realizando conexões agregadoras e valiosas para a expansão da consciência sobre o coletivo. O ápice de sua transcendência se desvela com o supercentrar-se, que se caracteriza pela qualidade da sua identificação com o divino nesta jornada de ascese espiritual.

É compreensível, no entanto, que nas fases iniciais deste caminhar surjam mecanismos naturais de resistência que, por suas próprias características e limitação, não se constituem como barreiras intransponíveis e, evidentemente, podem ser superados com o proporcional esforço. Entre eles, está a tão conhecida e aclamada razão — atributo fundamental para muitos dos avanços no estágio humano.

Ao recorrermos, mais uma vez, às orientações de André Luiz Peixinho, veremos que:

Por mais que tentemos, com a consciência analítica, a razão, o intelecto e os nossos cinco sentidos, nunca saberemos o que é espírito. Por uma razão muito simples: o espírito não ocupa espaço, o espírito não está no tempo. Essências não vivem nessa realidade. (PEIXINHO, 2022)

Para ampliarmos a compreensão a respeito do “que se é”, será fundamental expandir a vivência e domínio de outros sentidos e percepções. Isso requer o cultivo e a condução da nossa própria consciência para outros estados que já estão descritos na literatura espiritual mundial, didaticamente apresentados pelo pesquisador:

“Nós precisamos superar a mente racional analítica, que é lógica, fragmentária, e ir para uma mente chamada intuitivo-sintética (alguns chamam de super consciente). Mas dizem que essa intuitivo-sintética ainda não é o último estágio; nós temos ainda um ambiente místico-unitário, que é mais abrangente, mais profundo, mais rico; e temos, além dessa, uma mente não dual e interativa, numinosa, que podemos alcançar. Já conhecemos cinco estágios da consciência, até o nível corporal e a razão analítica. Mas já há descrição de cinco outros estágios que nos aproximam da nossa essência, da totalidade, da consciência de plenitude que precisamos alcançar.” (PEIXINHO, 2022)

Claro que isto não se dá de forma aleatória e, felizmente, temos metodologias facilitadoras deste movimento. É importante destacar que, por mais que a razão não dê conta de se manter em papel central nesta trajetória, é um atributo importante a nos ajudar no processo de entendimento destas etapas, “sabendo das limitações que ela apresenta para compreender aquilo que é supra-racional” (PEIXINHO, 2022). E ainda mais:

“Um dos caminhos dessa super consciência é a oração; profunda, longe dos rituais que alguns de nós nos acostumamos a fazê-lo, transcendente. Há também a meditação, que é outra maneira de alcançar isto — claro que a meditação pressupõe uma meditação primeira, uma centração numa ideia, depois um estabelecimento de atenção plena, sem pensamentos dirigidos, para depois encontrar aquilo que parece, para a mente racional-analítica, o vazio. Aí nós superamos este estágio e vamos, então, para o superconsciente. Existem outros estágios, outras vivências, que são chamadas de êxtase, que também nos levarão a este tipo de experiência. Há caminhos para isso, há possibilidades de facilitação. E isso decorre daquilo que alguns autores chamam de maturação psíquica na própria vida. Aí, nos perceberemos cada vez mais transcendendo o tempo, transcendendo o espaço, transcendendo a matéria e chegando ao espírito que nós somos.” (PEIXINHO, 2022)

Um Paradigma a Ser Superado

Para que consigamos compreender a profundidade das raízes que ainda nos prendem à resistente terra do materialismo, é indispensável analisarmos a fundo como se dá a construção do modelo mental expresso no cotidiano de boa parte da população mundial. Percebamos os esforços que numerosas metodologias científicas tradicionais dedicam para ampliar a longevidade do corpo, inclusive com a caracterização da mente como aspecto de natureza puramente física. Há um conjunto de valores, crenças e pensamentos centrados na matéria.

“No fundo, herdamos a grande herança materialista graças ao cientificismo do século XIX, o iluminismo do século XVIII, que ainda permeia a todos nós. […] Ainda que existam filósofos que nos digam que o espaço e o tempo são construtos da mente que atende à sua própria maneira de se organizar e que, por isso mesmo, nem mesmo tem realidade útil. Ainda que o átomo, símbolo da matéria, tenha perdido a sua importância na física, desde o modelo quântico — e principalmente da sequência de ideias das probabilidades que aparecem na mecânica quântica —, ainda assim continuamos pensando como corpos que nascem, crescem, envelhecem e morrem. Esta é a maneira que sentimos o nosso viver.” (PEIXINHO, 2022)

Consequências Naturais do Materializar

Diante deste modus operandi ainda dominante, surge, como consequência natural, a noção de propriedade, de posse material, com o estímulo direto e insaciável de assegurar, das mais variadas formas, um suposto futuro neste reino da matéria — ávido na formação de competidores, dispostos à disputa de algo que nos pareça finito, limitado, restrito e que, por esta junção de entendimentos, não caberia para todos. Esta é uma perspectiva característica do materialismo.

“Nós vivemos na conquista porque acreditamos nisso. Os nossos valores estão, basicamente, centrados na egoidade, na pessoa, em si mesmo, nos seus consanguíneos, porque são heranças corporais, nos agregados afetivos, porque são, de certa forma, partícipes do nosso mundo. Fora isso, podemos transformar todos os outros em concorrentes, depois em adversários e, por último, em inimigos. É por isso que imaginamos que territórios são importantes e podemos criar guerras, estruturar invasões e sistemas de defesa puramente centrados na destruição, pensando que o corpo é tudo e, desaparecendo o corpo, desaparece a nossa condição de encontrarmos adversários.” (PEIXINHO, 2022)

“Olhos de Ver, Ouvidos de Ouvir…” Como Forma de Superar o Materialismo

Esta transitória percepção de separatividade, que se desfaz com a autoeducação do ser, encontra, na própria história da humanidade, contrapontos que, por destacados que se fizeram, ainda hoje são encontrados os seus vestígios, como uma espécie de reforço do que está no íntimo do ser. Não são poucas as pesquisas a revelar que, em todos os tempos, indivíduos e grupamentos expressam, em nível mais ou menos sofisticado, uma relação com o divino que há em nós e o divino que orienta a vasta dinâmica da vida, a sobrevivência do ser para além das vestes carnais. Mesmo diante de volumosos avanços intelectuais e morais, o que ainda nos ofusca o olhar à percepção do que se é?

A possibilidade de vincular o saber aos postulados do espiritualismo — que possui uma extensa gama de religiosidades — pode ser uma barreira preconceituosa a ser superada, tendo em vista que o saber, como destaca o pesquisador Hermínio C. Miranda, não pertence a segmentos filosóficos, religiosos ou científicos, em suas características de transitoriedade.

“O ponto a considerar aqui é o seguinte: o postulado A ou B é verdadeiro ou não? Podemos, com este ou aquele, explicar racionalmente aspectos ainda obscuros da psicologia humana? Se são verdadeiros, não pertencem a ninguém e, sim, a todos. Isso quer dizer que conceitos como reencarnação e sobrevivência do espírito um dia estarão sendo lidos tanto nos Evangelhos — onde aliás se encontram há quase dois milênios e já se encontravam em outros documentos de conotação religiosa anterior, como em tratados de medicina, psicologia, biologia, sociologia, antropologia, de ciência, enfim —, além de compor também a estrutura básica dos estudos filosóficos. Pelo menos na filosofia ninguém estará inovando, porque era exatamente assim que pensava Sócrates, há mais de vinte e quatro séculos.” (MIRANDA, 2022)

Superar o Materialismo é um Caminho Inevitável

No entanto, não se trata de lamentar a existência destes níveis de consciência ou por quanto tempo se mantém um indivíduo no padrão materialista. Isto, por si só, está fadado a ser superado. Há algo que, de alguma sorte, persistirá: a busca do ser humano por validar a percepção de que o mundo material é periférico e não dá conta da realidade de si mesmo. Que há algo para além deste cenário materializado que o circunda, tão real quanto a sua subjetividade, que o constitui e se torna cada vez mais perceptível diante dos seus movimentos por tornar cada vez mais complexa e integradora a sua autopercepção.

“No auge do iluminismo, quando todo o pensamento estava voltado para o empirismo científico, aparece uma figura como Soren Kierkegaard para nos dizer que esse mundo, todo ele, não dá conta da subjetividade, da interioridade, da vivência psíquica. E aparece um Mayim de Beran para fazer a mesma coisa, para dizer algo semelhante, criando uma espécie de concepção espiritual para a vida. Aparece um Henri Bergson para dizer que a intuição está muito além desses modelos empíricos, analíticos, racionais, e que a alma humana precisa de alguma coisa mais profunda do que todas essas realizações. É assim que nós verificamos que hegemonias não são absolutismos. E aparece, então, o pensamento espírita, o pensamento teosófico, o pensamento antroposófico, o pensamento Rosa Cruz, dizendo que não somos seres humanos, estamos humanos. Somos seres espirituais, como afirmava o jesuíta paleontólogo Theades Jardim, que era católico, vivendo uma experiência humana.” (PEIXINHO, 2022)

Para Além do Materialismo, Há o Transcender

Como bem descreve Yogashririshnam, através da mediunidade de Elzio Ferreira:

“Não importa a espécie de apego, e sim a amarra com que se está ligado. Pode estar-se preso por uma corrente de ferro, uma corda ou um fio, mas em todas as três hipóteses se está preso: a ligadura pode ser maior ou menor, mas a prisão continua.”

É sob esta perspectiva que permanece pulsante, no íntimo, a certeza de que a liberdade que tanto almejamos encontra a sua completa experimentação à medida que nos desidentificamos dos sentidos densos e dos veículos de manifestação que utilizamos para manifestar o que em nós é perfeito, por amor e sabedoria divinos. Nesta trajetória de sutilização do nosso existir, nos movimentamos — sempre de forma ascendente — em direção à Essência Divina Superior, ampliando nossas capacidades de ser e de estar.


Referências Bibliográficas

  • MIRANDA, Hermínio C.; Diversidade dos Carismas, Teoria e Prática da Mediunidade; Editora 3 de Outubro, Editora Lachatre, 2018;
  • SOUZA, Elzio Ferreira de; Divina Presença; comentários mediúnicos a João da Cruz / por Elzio Ferreira de Souza e Yogashiririshnam; Editora Círculus, 2003;

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