Ansiedade: Simples, como Nunca Viu

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Poucas escolhas podem ser tão valiosas quanto iniciar um processo de compreensão sobre uma temática a partir das suas bases conceituais. Por isso, nossa trajetória para abordarmos o tema “Ansiedade: simples, como nunca viu” começa pela quebra do estigma de que ela seja sempre enxergada como algo ruim. Isso mesmo! Você não leu errado… a ansiedade não é um elemento negativo sempre. Tudo depende do contexto.

Nesta etapa inicial da nossa trajetória de entendimento sobre este tema, é indispensável que haja clareza na identificação do que é patológico e o que é saudável na vivência da ansiedade. Vamos, então, recorrer ao Compêndio de Psiquiatria, em sua sexta versão. Nele, a ansiedade é apresentada como uma sensação

“que pode ser acompanhada por uma ou mais sensações corporais — por exemplo, uma sensação de vazio na boca do estômago, aperto do tórax, batimentos cardíacos acelerados, sudorese, cefaleia ou súbita necessidade de evacuar. Inquietação ou um desejo de movimentar-se.”

Sentir estas respostas corporais não significa que algo está fora do que se configura como natural para os nossos complexos sistemas biológico e psicológico. Além do mais, a vivência sadia da ansiedade compreende outras experiências de manifestação, mais sutis, como estágios de inquietude interior, expectativa ou grande preocupação comuns a todas as pessoas — e que nada mais são do que expressões do estágio humano. Isso, inclusive, será naturalizado e esclarecido pelo renomado psicólogo norte-americano Rollo May, na obra O significado da ansiedade, que em um dos trechos chega a afirmar que “a presença da ansiedade significa vitalidade.”

Esta naturalização é explicada de maneira didática pela escritora e pesquisadora Suely Caldas Schubert, ao afirmar que

“A ansiedade tem importante função como estado de alerta, um sinal para preservação da vida diante de ameaças de danos corporais, de dor, de separação, de morte de pessoas amadas, de ameaça ao sucesso ou situação social, enfim, de ameaça à integridade pessoal. O estado de ansiedade diante dessas situações é a resposta orgânica e psicológica para assumir as ações necessárias para evitar a ameaça ou, pelo menos, atenuar suas consequências.” (SCHUBERT, Suely. Transtornos Mentais, 2012)

Ansiedade: Natural e Importante

E para lhe explicar esta afirmação no mínimo intrigante, recorreremos ao psicólogo e doutor em Neurociências, Eslen Delanogare:

“Um pouco de ansiedade é importante. O problema é quando a ansiedade fica muito exagerada, ou mesmo — por incrível que pareça — quando essa ansiedade está ausente — afinal de contas, é interessante que você sinta um pouco de ansiedade quando for desenvolver um trabalho ou realizar uma apresentação. A ansiedade mobiliza energia para que você execute um comportamento de forma minimamente satisfatória. A resposta à ansiedade representa uma curva em “U invertido”, onde a ausência da ansiedade ou o excesso, eventualmente, vai acabar tendo prejuízo significativo na vida.” (DELANOGARE, Eslen, 2023)

O gráfico de Yerkes-Dodson, mencionado pelo Dr. Eslen, é um modelo teórico que explica a relação entre os níveis de excitação (ou arousal) e desempenho no ser humano. Foi desenvolvido pelos psicólogos Robert M. Yerkes e John D. Dodson em 1908, e no contexto da ansiedade, ajuda a entender como diferentes níveis de ansiedade afetam o desempenho de uma pessoa.

Entenda o Gráfico de Yerkes-Dodson

Por mais que pareça ser complexo interpretar o gráfico, esta é uma tarefa mais simples do que se pensa, quando torna-se clara a função de cada eixo e o comportamento da curva.

  1. eixo horizontal do gráfico (X) representa o nível de arousal, que pode ser entendido como a quantidade de excitação ou ansiedade. Vai de baixo (esquerda) para alto (direita).
  2. Já o eixo vertical (Y) representa o desempenho de uma pessoa diante de uma circunstância que esteja vivenciando, que pode ser em contexto acadêmico, esportivo, profissional, entre outros. Vai de baixo (inferior) para alto (superior).
  3. O desenho da curva em U invertido mostra que, inicialmente, à medida que o nível de ansiedade aumenta, o desempenho também aumenta até um ponto ótimo — localizado no centro do gráfico, entre as duas extremidades. Além deste ponto, aumentos adicionais no arousal começam a prejudicar o desempenho do ser humano.

A Relação entre Ansiedade e o Comportamento Humano

Esta não é uma tarefa difícil, quando se tem parâmetros bem delineados, como os que elencamos abaixo, onde você poderá compreender melhor como estas oscilações impactam realmente no dia a dia, diante dos diferentes níveis de ansiedade:

  • Baixa Ansiedade: Quando os níveis de arousal são muito baixos, as pessoas podem se sentir apáticas, desmotivadas ou desinteressadas, levando a um desempenho muito abaixo do desejado.
  • Ansiedade Moderada: Em níveis moderados de arousal, que podem incluir uma quantidade saudável de ansiedade, as pessoas tendem a estar alertas e engajadas, resultando no melhor desempenho. Este nível moderado ajuda a focar a atenção e energiza o comportamento.
  • Alta Ansiedade: Quando os níveis de arousal são muito altos, a ansiedade pode se tornar debilitante. Pode levar a sintomas como nervosismo extremo, pânico e dificuldade de concentração, resultando em um desempenho reduzido.

Ansiedade nas Tarefas do Cotidiano

A partir do momento em que um ser humano não se sente bem emocional e/ou psicologicamente, há um grande impacto na relação que possui com tarefas do cotidiano — e, claro, com as pessoas à sua volta. Para que esta percepção se torne mais clara, relacionamos três das principais áreas vivenciais na atualidade.

  • Trabalho e Estudos: Um pouco de ansiedade pode motivar a preparação e o foco, mas muita ansiedade pode levar a erros e bloqueios mentais.
  • Esportes: Atletas podem usar a ansiedade como uma fonte de energia, mas o excesso pode resultar em “choking” (falhar sob pressão).
  • Interações Sociais: Ansiedade moderada pode melhorar o desempenho social, enquanto a ansiedade excessiva pode levar à evitação e ao comprometimento das habilidades sociais.

Do saudável ao Patológico

Quando falamos sobre a ansiedade patológica, o cenário ganha outros contornos, um tanto quanto diferentes do que temos visto neste artigo. Com base nas explicações do já citado psicólogo Rollo May, caracteriza-se como uma reação desproporcional ao que o indivíduo identifica e interpreta como perigo. Envolve repressão, dissociação e outras formas de conflito intrapsíquico — além de variadas formas de repressão de atividade e consciência por meio de inibições e mecanismos neuróticos de defesa.

Lidar com a sensação de que os cenários idealizados não são resolvidos é um fator de grande estímulo negativo para quem vivencia este quadro, segundo esclarece o psiquiatra, pesquisador e escritor Jorge Andréa:

“A ansiedade do neurótico caracteriza-se, muitas vezes, pela irresolução de tudo o que pretende e pensa, com isso desenvolve-se um panorama angustiante, que, não raro, atinge graus máximos desencadeando as “crises” e “ataques nervosos” com participação do sistema simpático-parasimpático, envolvendo sudorese intensa, cólicas, crises de diarreia, distúrbios visuais, etc.”

Fatores Contribuintes para a Ansiedade Patológica

Quando falamos em transtornos mentais, é indispensável considerar que resultam de uma interação complexa de fatores sociais, psicológicos, biológicos e espirituais — numa perspectiva integral do ser humano, múltiplo em sua existência e não restrito às manifestações biológicas através das quais se expressa.

É fundamental considerar que qualquer pessoa pode ter um transtorno de ansiedade. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), aquelas que passaram por abusos, perdas severas ou outras experiências adversas tornam-se mais propensas a desenvolver um.

Cenário Mundial dos Transtornos de Ansiedade

É indispensável recorrermos às pesquisas da OMS para construirmos uma percepção mais segura de qual é o real cenário do transtorno de ansiedade no mundo. Em seu relatório de saúde mental, divulgado em 2022, a entidade destaca que, em 2019, “quase um bilhão de pessoas viviam com um transtorno mental”, figurando o transtorno de ansiedade responsável por 301 milhões de pessoas. A pandemia de COVID-19 aumentou a prevalência de transtornos de ansiedade e depressão em mais de 25% no primeiro ano.

No mesmo relatório, a OMS afirma que, embora existam tratamentos altamente eficazes para transtornos de ansiedade, apenas cerca de 1 em cada 4 pessoas que precisam (27,6%) recebem qualquer tratamento. Barreiras ao atendimento incluem a falta de conscientização de que esta é uma condição de saúde tratável, falta de investimento em serviços de saúde mental, falta de profissionais de saúde treinados e estigma social.

Tipos Comuns de Transtornos de Ansiedade

Os transtornos de ansiedade afetam a forma como uma pessoa pensa, sente e age no cotidiano. Manifestam-se de maneiras diferentes, pois cada tipo de transtorno tem seus próprios sintomas e desafios. No entanto, todos têm em comum o medo ou a ansiedade excessiva que interferem na vida diária.

Identificar e compreender esses transtornos é um passo importante para buscar ajuda e melhorar a qualidade de vida. Aqui está um resumo de alguns tipos comuns:

  • Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG): Caracteriza-se por preocupação excessiva e persistente com várias questões cotidianas. As pessoas com TAG frequentemente antecipam desastres e se preocupam com saúde, dinheiro, família, trabalho ou outros problemas. Sintomas podem incluir inquietação, fadiga, dificuldade de concentração, irritabilidade, tensão muscular e problemas de sono.
  • Transtorno do Pânico: Envolve episódios súbitos de medo intenso que desencadeiam reações físicas severas, mesmo quando não há perigo real. As crises de pânico podem incluir palpitações, sudorese, tremores, falta de ar, sensações de aperto no peito e medo de perder o controle ou morrer.
  • Fobias Específicas: São medos intensos e irracionais de situações ou objetos específicos, como alturas, animais, ou voar. Pessoas com fobias podem tomar medidas extremas para evitar o objeto ou situação temida, o que pode interferir significativamente em suas vidas.
  • Transtorno de Ansiedade Social (Fobia Social): É o medo extremo de ser julgado ou avaliado negativamente em situações sociais. As pessoas podem evitar situações sociais, ter dificuldades para falar em público ou se sentirem excessivamente autoconscientes em interações cotidianas.
  • Transtorno de Ansiedade de Separação: É mais comum em crianças, mas também pode afetar adultos. Envolve medo excessivo de se separar de casa ou de figuras de apego. Sintomas podem incluir preocupação com o bem-estar de entes queridos, pesadelos sobre separação e relutância em sair de casa.

Como se Prevenir dos Transtornos de Ansiedade?

Abordagens comunitárias eficazes para prevenir a ansiedade incluem educação parental e programas escolares para melhorar a aprendizagem social e emocional e construir estratégias positivas de enfrentamento em crianças e adolescentes. Programas de exercícios também podem ser eficazes na prevenção de transtornos de ansiedade em adultos. Além disso, um estilo de vida saudável pautado em dieta equilibrada, rotina de sono e a pratica de exercícios físicos regularmente potencializa, significativamente, o autocuidado que reduz os níveis de ansiedade e prevene o desenvolvimento de transtornos. E se você gosta de algumas dicas, aqui vai algumas:

• Técnicas de relaxamento: Incorporar práticas como meditação, yoga e exercícios de respiração pode ajudar a diminuir o estresse e a ansiedade. • Limitação do consumo de substâncias: Reduzir ou evitar o consumo de cafeína, álcool e drogas recreativas, que podem aumentar a ansiedade, é uma medida preventiva importante. • Conexões sociais fortes: Manter relacionamentos saudáveis e buscar apoio de amigos e familiares pode fornecer suporte emocional e ajudar a prevenir a ansiedade. • Intervenções precoces: Buscar ajuda profissional ao notar sinais iniciais de ansiedade pode impedir que sintomas leves evoluam para transtornos mais graves. • Educação sobre saúde mental: Informar-se sobre os sintomas e os riscos associados à ansiedade pode capacitar as pessoas a tomarem medidas preventivas proativas.

Diagnóstico e Tratamento de Transtornos de Ansiedade

Felizmente, há uma série de possibilidades disponíveis para quem precisa de cuidado para diagnosticar, tratar e superar os transtornos de ansiedade. Claro, que um primeiro grande passo é romper as barreiras do preconceito e buscar ajuda, principalmente com profissionais de saúde mental.

As intervenções psicológicas são indispensáveis neste processo, principalmente a terapia. É por meio delas que o indivíduo aprende novas maneiras de identificar, pensar, lidar e se relacionar com o seu grau de ansiedade — além de aprender a como enfrentar as situações, eventos, pessoas ou lugares que desencadeiam ela.

A importância do autocuidado

O autocuidado desempenha um papel fundamental no combate a qualquer tipo de transtorno mental — e até mesmo doenças orgânicas. Para gerar maior orientação às pessoas quanto a práticas que aumentam significativamente o bem-estar, a Organização Mundial da Saúde elenca cinco medidas de grande impacto para a saúde:

  • Evitar ou reduzir o consumo de álcool e não usar drogas ilícitas: Substâncias como álcool e drogas podem piorar os sintomas de ansiedade e afetar negativamente a saúde mental. Reduzir ou eliminar o uso dessas substâncias pode ajudar a melhorar o bem-estar emocional e físico.
  • Exercitar-se regularmente: A atividade física, mesmo que seja apenas uma caminhada curta, pode ter um efeito positivo no humor e reduzir os níveis de ansiedade. O exercício libera endorfinas, que são substâncias químicas do cérebro que agem como analgésicos naturais e melhoram o humor.
  • Manter hábitos regulares de alimentação e sono: Ter uma dieta saudável e manter uma rotina regular de sono são fundamentais para a saúde mental. Comer de forma equilibrada e garantir um descanso adequado ajudam a regular o humor e fornecem energia para enfrentar o dia.
  • Aprender técnicas de relaxamento: Técnicas como respiração lenta e relaxamento muscular progressivo podem ser muito eficazes na redução do estresse e da ansiedade. Praticar essas técnicas regularmente ajuda a acalmar a mente e o corpo.
  • Desenvolver o hábito da meditação mindfulness: A prática da meditação mindfulness, mesmo que por apenas alguns minutos por dia, pode aumentar a conscientização sobre o momento presente, reduzir pensamentos ansiosos e melhorar a resiliência emocional.
  • Estabelecer Rotinas Regulares: Manter horários consistentes para dormir, comer e realizar atividades pode ajudar a criar uma sensação de estabilidade e controle.
  • Buscar Apoio: Conversar com amigos, familiares ou grupos de apoio pode fornecer conforto e perspectiva.
  • Consultar Profissionais de Saúde: Em casos de ansiedade severa, pode ser necessário buscar tratamento médico ou psicológico para obter apoio adicional.

Essas práticas são simples, mas poderosas, e você pode incorporá-las ao cotidiano para ajudar a lidar com a ansiedade e promover uma vida mais equilibrada e saudável. Mas é importante lembrar que essas estratégias de autocuidado são complementares e não substituem tratamentos profissionais para transtornos de ansiedade, quando necessários.

Considerações finais

A ansiedade é uma parte natural da vida humana e, em níveis moderados, pode ser benéfica para o desempenho e a motivação. No entanto, quando se torna excessiva ou debilitante, pode impactar negativamente a qualidade de vida. Compreender os diferentes tipos existentes e implementar estratégias eficazes de gerenciamento pode ajudar as pessoas a viverem de forma mais equilibrada e plena. Se você ou alguém que você conhece está lutando contra a ansiedade, é importante lembrar que ajuda está disponível e que é possível encontrar maneiras de gerenciar e superar esses desafios.


Referências Bibliográficas

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